por Simão Monteiro
Nos dias que correm, o Yoga pode ser associado a exercícios de contorcionismo, levitação, método para aliviar o stress e curar maleitas, ou simplesmente uma seita religiosa, estranha e mística. Encontramos por esse mundo fora, especialmente no ocidente, variadíssimos estilos de Yoga, alguns bastante intrigantes como “Yoga para cães” ou “Yoga Facial”, tudo em nome do business, tudo para encher os bolsos de empresários que se vestem de “gurus espirituais”. O Yoga não é isto!
O Yoga não é tão-pouco uma prática ou um conjunto de técnicas, ou mesmo uma filosofia e muito menos uma teoria. O Yoga é, na verdade, uma cultura que abrange práticas, ensinamento, valores, uma forma de estar, de agir e observar o mundo e a nós próprios. Fundamentalmente, o Yoga existe para responder à pergunta: Quem sou eu?
Quem sou eu? Porque estou aqui? Qual o sentido da vida? Como ser feliz? São perguntas que, mais cedo ou mais tarde, todo o ser humano se coloca a si próprio. E apenas o ser humano faz estas perguntas, pois apenas o ser humano possui o livre arbítrio e a liberdade para se fazer essas perguntas. É isto que distingue o ser humano dos demais seres vivos, uma particularidade única que faz toda a diferença: a capacidade de escolha.
A BUSCA DA FELICIDADE
O ser humano tem a capacidade para questionar, para julgar, para decidir, para mudar, para agir, não agir ou agir de forma diferente em determinada situação. Isto é um privilégio. Mas ao mesmo tempo, é a raiz das suas indecisões, inseguranças, receios, etc. O que fazer com esta liberdade?
Todos os seres humanos buscam essencialmente o mesmo, felicidade. Todos nós queremos estar bem, em paz e felizes, não apenas num determinado momento ou local, mas sim em todos os momentos, em todos os lugares. Uma paz e felicidade que sejam plenas, não limitadas por espaço, tempo ou circunstância.
Os restantes seres vivos, programados pelos seus instintos, satisfazem-se com as necessidades básicas: comida, abrigo, procriação e pouco mais. Mas o ser humano não se sente realizado com isto. Se já temos uma casa, um dia ambicionaremos uma casa maior, ou mais apetrechada, ou num local mais aprazível. Não nos limitamos a comer, se temos possibilidade procuramos uma comida mais requintada num restaurante gourmet. Precisamos de roupas para proteger o nosso corpo, mas não nos vestimos apenas para isso, vestimos-nos para nos sentirmos bem. Nós enchemos um guarda-fatos com centenas de peças de roupa com cores variadas e formatos bizarros, na esperança que isso nos traga satisfação.
Procuramos segurança, felicidade e plenitude em todas estas coisas. Buscamos segurança numa casa, prazer numa viagem a um país exótico ou numa experiência alternativa, e ansiamos pela pessoa (a chamada cara-metade) que nos preencha este vazio que sentimos. Vivemos assim toda a vida, procurando a felicidade no mundo dos objectos, experiências e relações. A pergunta pertinente que se coloca é: Sou feliz? Sinto-me completo? Em paz? Sempre? E se não sou, será possível algum dia ser sempre feliz e sentir-me completo?
Temos duas opções: ou a nossa natureza real é insatisfação, infelicidade e assim, por mais que façamos, por mais que busquemos no mundo, o melhor que conseguiremos serão momentos fugazes de prazer; ou a nossa essência é, na realidade, plenitude, já somos completos e felizes. Se a nossa natureza real for insatisfação, para quê esta busca de felicidade? Se somos essencialmente um ser incompleto e insatisfeito, então deveríamos sentir-nos bem tal como estamos. Neste caso, para que serviria o Yoga?
Ora, o ser humano procura desesperadamente por felicidade, em tudo o que faz na vida. Queremos estar bem, sempre. Porquê? Porque não aceitamos esta sensação de limitação, de incompletude. E isto acontece porque todos nós já tivemos momentos de plenitude, aqueles momentos em que tudo está bem, não precisamos de mais nada, tal como somos basta-nos. Isto faz-nos buscar a tal felicidade permanente. E só quando o conseguirmos é que poderemos viver em paz. Em sânscrito existe uma palavra que define este estado de felicidade e liberdade permanente: mokṣa. Mokṣa é liberdade da dependência do mundo, seus objectos, experiências e relações para ser feliz.
A VISÃO VÉDICA
Se achamos que a felicidade vem com mais e melhores experiências, mais e melhores relações, mais e melhores objectos, é porque ainda não percebemos a intrínseca limitação do mundo: o mundo é impermanente por natureza, muda a todo o momento. Assim, qualquer felicidade que o mundo nos ofereça será sempre limitada, terá sempre um início e consequentemente um fim. Esta não é a felicidade que procuramos. Se a felicidade permanente não se encontra no mundo então onde está?
A solução que o Yoga nos apresenta é: nós já somos completos! Apenas não o reconhecemos graças à ignorância. E se a causa do problema é a ignorância, a solução só pode ser o conhecimento. Que conhecimento? O auto-conhecimento, o conhecimento do Eu.
Este conhecimento é encontrado nas escrituras mais antigas da humanidade: os Vedas. A época em que os Vedas foram compostos não é certa, julga-se terem bem mais de cinco mil anos, apesar de só terem sido passadas para o papel mais tarde. E é nestas escrituras que encontramos pela primeira vez o Yoga. O Yoga faz parte desta tradição védica.