MAYI CA ANANYAYOGENA BHAKTIḤ AVYABHICĀRIṆĪ
Firme devoção a Deus com atenção não dividida
No valor anterior vimos como a devoção (bhakti) é uma das formas de adquirir uma mente tranquila e equânime. Vimos também qual o significado de devoção, dentro da Tradição Védica: Īśvarārpanabuddhi, dedicar todas as acções a Īśvara, Deus, e Īśvaraprasādabhāvanā, receber todas as experiências como um presente de Deus, uma vez que são as experiências que necessitamos para crescermos espiritualmente.
Falta explicar quem é Deus, segundo a Tradição Védica. As escrituras definem Deus, ou Īśvara, como um princípio inteligente, consciente, sem forma, que permeia todo o universo e o sustenta e mantém em perfeita harmonia, através de uma rede de leis universais.
Aquele que é ao mesmo tempo a causa inteligente e material de todo este universo é chamado de Īśvara, Deus. Deus criou todo este universo e foi buscar o material a ele mesmo. Deus é todo este universo. Qualquer objecto neste universo é Deus. Nada existe separado dele.
Deus é imanente em toda a criação, uma vez que ele é a causa inteligente e material. Nada existe separado dele. Ele permeia tudo. Ao permear tudo, não pode ter uma forma, um corpo limitado. Não precisamos de procurar por Deus num determinado local ou numa determinada forma, porque tudo o que existe é Deus. Toda esta criação é Deus.
Mayi cānanyayogena bhaktiravyabhicāriṇī nasce da compreensão de que Deus não está separado de mim e de que eu nunca estive, não estou nem estarei longe de Deus, uma vez que Deus é tudo o que existe. Assim, estabeleço uma forte relação com Deus. Esta é a relação mais importante da vida porque é uma relação permanente. Todas as outras relações são temporárias, têm um início e um fim. Se as relações mundanas são temporárias, impermanentes, então não nos podem garantir nada em absoluto, nada definitivo. Não podemos esperar dessas relações segurança, felicidade ou paz definitivas.
A melhor forma de encontrar a força para resolver os problemas do dia-a-dia é na nossa relação com Deus, porque ele é sinónimo de paz, segurança e felicidade permanente. Por essa razão a relação indivíduo-Todo é a relação mais importante.
VIVIKTA DEŚA SEVITVAM
Frequentar um lugar retirado
Este é um valor muito importante a ser cultivado pelos praticantes e estudantes de Yoga. Aprender a estar sozinho, consigo mesmo, se possível em silêncio, num lugar retirado. Caminhar ou sentar numa praia sozinho, fazer uma meditação ou uma prática de Haṭha Yoga são exemplos de vivikta deśa sevitvam.
A solitude tem a capacidade de nos fazer questionar sobre quem somos e o que estamos aqui a fazer. A solidão torna a pessoa filosófica. E isto é essencial, porque o ser humano esquece-se com facilidade da razão de viver.
Uma pessoa que sabe estar consigo mesma em quietude é uma pessoa simples, calma e contemplativa. É uma pessoa que aprecia a sua própria companhia. Não precisa de estar constantemente em busca de coisas para fazer, de novas experiências ou de estar na companhia de outras pessoas.
Na Bhagavad Gītā, Kṛṣṇa por várias vezes realça o valor por frequentar um lugar retirado, nomeadamente na hora de meditar:
yogī yuñjita satatamātmānaṁ rahasi sthitaḥ
ekākī yatacittātmā nirāśīraparigrahaḥ
(Bhagavad Gītā, capítulo VI: 10)
O yogī [aquele que medita], permanecendo só, num lugar isolado, com a mente e o corpo disciplinados, livre de desejos e posses, deve constantemente concentrar a sua mente [no objecto de meditação].
ARATIḤ JANASAṀSADI
Ausência de grande desejo por companhia
Aratiḥ janasaṁsadi não significa que devemos evitar estar com pessoas. Se as pessoas estão presentes desfrutamos da sua companhia. Mas, uma coisa é desfrutar da companhia das pessoas, outra é depender da sua presença para estar bem.
A ideia presente neste valor é não nos perdermos nas relações com os demais, ou seja, não perdermos a nossa independência, a nossa capacidade para estarmos bem connosco próprios. Quando nos envolvemos com as pessoas de tal forma que chegamos a pensar que a nossa felicidade depende da presença delas e da forma como se relacionam connosco, perdemos a nossa liberdade.
Esta dependência da companhia das pessoas é o resultado da falta de discernimento. É o resultado de uma confusão: buscar felicidade, segurança e paz na companhia dos outros.
Devemos continuar a nutrir as relações que temos com a nossa família e amigos mas lembrar que este tipo de relações, invariavelmente, gera apego e dependência. Nas relações mundanas existe uma dependência mútua.
Pelo contrário, na relação mestre-discípulo há uma dependência inicial por parte do discípulo, para aprender, mas o resultado dessa aprendizagem é mokṣa, a independência. A relação que temos com o nosso mestre leva-nos à independência. Assim, as escrituras aconselham-nos a dedicar algum do nosso tempo a alimentar a relação com o nosso mestre.
Aratiḥ janasaṁsadi e vivikta deśa sevitvam são valores complementares que sugerem um apreço pela solitude. Estes são valores essenciais para termos uma mente contemplativa, uma mente pronta para o autoconhecimento.
ADHYĀTMA JÑĀNA NITYATVAṀ
Constância no conhecimento centrado no Eu
Este valor realça a importância pelo estudo das escrituras de Vedānta. Ter uma disposição permanente, contínua para o autoconhecimento. Ātma jñāna, o conhecimento do Eu, não vem com uma vida de valores, apesar destes valores serem essenciais para preparar a mente para o estudo. Precisamos sempre de Vedānta, que envolve três estágios sob a orientação de um guru: śravaṇam, mananam e nididhyāsanam.
Śravaṇam consiste em escutar o ensinamento, de forma consistente e sistemática, por um longo período de tempo, sob a orientação de um professor competente e vivo. Este professor deve ser um um śrotriyam, versado no ensino das escrituras e do sampradāya (método de ensino) e um brahmaniṣṭham, aquele que está firme em Brahman, ou seja, reconhece a sua natureza real como sendo livre e plena.
Mananam é a fase de remover as dúvidas sobre o que foi escutado em śravaṇam. Para que o conhecimento produza os seus frutos (neste caso o fruto é mokṣa) é necessário que não haja qualquer tipo de dúvida. Após esta fase de mananam, a pessoa tem um conhecimento claro e convicto sobre quem é.
Nididhyāsanam é a última etapa de Vedānta e tem uma dupla função:
1º Assimilar o ensinamento escutado.
Lembrar e internalizar o ensinamento escutado em śravaṇam, o ensinamento de que eu sou Brahman, eu sou plenitude, eu sou felicidade, eu sou livre.
2º Remover os padrões antigos de pensamentos da mente que contradigam aquilo que foi escutado no ensinamento.
No nididhyāsanam saturamos a mente com o ensinamento, para que este esteja presente em todas as situações do dia-a-dia, influenciando a nossa atitude e a forma como lidamos com os objectos, pessoas e experiências do mundo, reduzindo o impacto dos altos e baixos da vida.
O resultado do nididhyāsanam é jñāna niṣṭha, um conhecimento firme e permanente sobre a nossa natureza real. Isto torna-nos num jivanmukta, num liberto em vida.
TATTVA JÑĀNA ARTHA DARŚANAM
Ter em vista o propósito do autoconhecimento
Tattva significa verdade e jñāna conhecimento. O conhecimento da verdade significa o conhecimento do Eu. Assim, tattva jñana é o mesmo que ātma jñāna. Artha é o propósito ou a meta de tattva jñāna. Darśanaṁ significa visão, ter em vista ou constante lembrança do propósito do autoconhecimento.
O propósito do autoconhecimento, aqui chamado de tattva jñāna, é mokṣa, a libertação, independência.Liberdade do quê? Da dependência do mundo (objectos, pessoas e experiências) para ter segurança, paz e felicidade. Independentemente do que aconteça no mundo ou no corpo-mente, eu estou bem, eu estou tranquilo, eu estou completo, sempre. Isto é mokṣa.
Tattva jñāna artha darśanaṁ é não perder de vista o autoconhecimento como meta prioritária, de maneira que os outros objetivos menores que possamos ter ao longo da vida não nos desviem da prioridade essencial.
Isto é muito importante porque, no início, podemos ter dificuldade em aceitar que o autoconhecimento resolverá os nossos problemas mentais. Devemos lembrar que todas as emoções que temos baseiam-se na forma como olhamos para o mundo e para nós mesmos. O conhecimento que recebemos em śravaṇam determinará a perspectiva que temos do mundo e de nós mesmos. Essa nova perspectiva influenciará, decididamente, a nossa mente e seus pensamentos. Assim, o autoconhecimento transforma a nossa vida pessoal, conduzindo-nos à liberdade.