ANAHAṄKĀRA
Ausência de egoísmo
Neste contexto, ahaṅkāra significa egoísmo. Anahaṅkāra é o oposto, é a ausência de egoísmo.
Normalmente, as nossas mentes estão muito limitadas por vivermos excessivamente centrados em nós, na nossa família, no nosso trabalho, nas nossas relações, no nosso corpo, etc. Naturalmente, a mente fica repleta de gostos e aversões (rāga/dveṣa) e acaba por tornar-se nossa inimiga. Olhamos para todas as pessoas e situações exclusivamente desde o nosso ponto de vista. Pouco a pouco o ego vai crescendo. E um ego grande distorce a nossa visão, exagerando a percepção que temos do mundo. Chegamos a pensar que somos o ser mais importante do mundo, pensando que tudo deve acontecer em nosso favor e que qualquer problema que surge na vida é a maior tragédia do universo.
Esta é uma percepção limitada das coisas. Esta mente limitada é um sério obstáculo a ātma jñānam. Cada coisa deve ser colocada em seu lugar. E percebemos o nosso lugar quando olhamos para nós desde o ponto de vista da totalidade. Assim, devemos dedicar algum tempo para pensar no Todo, esquecendo-nos por momentos da nossa individualidade. Apreciar este vasto universo sem nenhum motivo egoísta.
Ao apreciarmos todo este vasto universo percebemos que existe nele uma ordem, uma harmonia. Tudo funciona em sintonia. Percebemos que existem leis no universo e que são inevitáveis para manter esta ordem. Se existe uma ordem, uma inteligência que tudo permeia, tudo aquilo que nos acontece na vida não é fruto do acaso. Todas as situações pelas quais passamos, especialmente as mais difíceis, servem para crescermos espiritualmente.
Da mesma forma, tudo aquilo que conseguimos alcançar na vida se deve a um sem número de factores que contribuíram para o nosso êxito. A começar por este corpo e mente que temos. Este corpo, com estas características, foi-nos dado. Esta mente, com a capacidade para pensar, questionar, criar, decidir, etc., foi-nos dada. A matéria-prima que existe no mundo, a qual utilizamos para infinitos propósitos de acordo com a nossa capacidade inesgotável para criar, foi-nos proporcionada também.
Todas as nossas capacidades, todas as nossas posses e todas as experiências que temos na vida não são mais do que um presente de Īśvara. Quando compreendemos tudo isto o nosso ego dilui-se. E quando o ego se dilui, os problemas que temos na vida não desaparecem, mas tornam-se insignificantes.
JANMA MṚTYU JARĀ VYĀDHI DUḤKHA DOṢA ANUDARŚANAM
Ser consciente das limitações da vida: nascimento, morte, velhice, doença e dor.
O que Kṛṣṇa nos pede aqui é para sermos objectivos em relação à vida. Existem cinco limitações (doṣas) inerentes à vida: nascimento, morte, velhice, doença e dor. Todos nós, como seres humanos, passamos por isto. Portanto, é fundamental sermos conscientes destas limitações, sabermos que fazem parte da vida e não gastarmos tempo desnecessário lamentando-nos delas.
Este corpo teve um nascimento (janma) e morrerá (mṛtyu) um dia. Imortalidade do corpo é impossível. Tudo o que nasce tem que morrer. Isto é um facto.
Entre o nascimento e a morte, o corpo envelhecerá (jarā). Enquanto a morte não chega o corpo vai envelhecendo. A velhice é o terreno fértil para todo o tipo de doenças, pois o nosso sistema imunitário vai enfraquecendo à medida que o tempo passa. A resistência diminui, a força diminui, a agilidade diminui, os órgãos começam a ter problemas, etc.
A doença (vyādhi) é outra limitação inerente à vida. Inevitavelmente a doença manifestar-se-á ao longo da vida e, infelizmente, por várias vezes. Podemos estar muito bem hoje, com uma saúde de ferro, e daqui a uns dias não termos força nem para nos levantarmos da cama. Hoje, uma pessoa pode ser uma atleta olímpica e amanhã uma lesão crónica afasta-a das provas para sempre.
Por fim, a dor (duḥkha). Duḥkha são todas as formas de dor ou sofrimento, físico ou mental. Tal como a doença, o sofrimento está presente na nossa vida. Segundo as escrituras existem três tipos de obstáculos que podem causar sofrimento: ādhidaivika, obstáculos sobre os quais não temos qualquer tipo de controlo, como por exemplo um sismo; ādhibhautika, obstáculos sobre os quais não temos um controlo imediato, resultantes das acções dos seres à nossa volta, nomeadamente seres humanos; ādhyātmika, a terceira fonte de obstáculos é o complexo corpo-mente do próprio indivíduo, como as doenças físicas ou mentais.
É fundamental mantermos este valor sempre presente no nosso dia-a-dia, lembrando-nos daquilo que é realmente importante, fazendo bom uso do tempo que temos ao nosso dispor para crescermos espiritualmente e nos realizarmos como seres livres e completos.
ASAKTI
Ausência de dependência
Sakti significa dependência ou apego. Asakti é o contrário, ausência de dependência.
Independência física não é possível porque o corpo depende de muitas coisas para sobreviver: comida, roupa e abrigo. Quando Kṛṣṇa fala em não-dependência refere-se à não-dependência psicológica do mundo para termos felicidade, segurança e paz.
Como já vimos anteriormente, o mundo é impermanente por natureza. Isso inclui as pessoas com quem nos relacionamos, as experiências que temos e os objectos que possuímos. Quando a nossa felicidade, segurança e paz estão sujeitas à presença ou ausência das coisas do mundo, significa que há uma dependência.
As escrituras ensinam-nos, numa primeira fase, a depender de Īśvara, em vez de dependermos do mundo. Porquê? Porque Īśvara é a fonte de felicidade, segurança e paz. Mais tarde, com o conhecimento de Vedānta, descobriremos que, na realidade, não existe diferença entre Īśvara e nós. Nessa altura, passaremos a depender de nós mesmos, ou seja, seremos independentes.
O processo acontece da seguinte forma:
Dependência do mundo > Dependência de Īśvara > Dependência de si mesmo
O valor de asakti prepara-nos para enfrentarmos situações de separação. Se tudo no mundo é impermanente, tudo aquilo que o mundo nos pode garantir está limitado no tempo e espaço. Assim, diariamente somos confrontados com todo o tipo de separações: desde a separação de objectos pelos quais sentimos apreço, passando pelo fim de experiências agradáveis até à separação de entes queridos. E, por fim, a maior separação de todas, a separação do nosso próprio corpo, na hora da sua morte.
ANABHIṢVAṄGAḤ PUTRA DĀRA GṚHA ADIṢU
Ausência de afeição excessiva em relação ao filho, mulher, casa, etc.
Abhiṣvaṅgaḥ significa uma afeição excessiva e pegajosa. Anabhiṣvaṅgaḥ é o oposto, ou seja, ausência de afeição excessiva. Em relação a quê? A um filho, putra, à esposa (ou esposo), dāra, à casa, gṛha, e a todas as coisas queridas, adi.
Kṛṣṇa é um professor muito prático. Antes ensinou o valor do desapego, mas uma questão pode surgir na nossa mente: como desapegar-se das pessoas mais próximas, mais queridas? Kṛṣṇa não nos aconselha a deixarmos as pessoas que amamos, ou a deixarmos de cuidá-las. O que ele nos aconselha é evitar o apego excessivo em relação àquilo que nos está muito próximo.
Como saber se temos um apego natural por aqueles que nos estão próximos ou se temos um apego excessivo? Quando estamos apegados a uma pessoa, dizemos: ”esta pessoa pertence-me”. Há um senso de posse, mamakāra. Mas há uma distinção entre mim e a pessoa que me está próxima. Quando há apego excessivo a intimidade é tão poderosa que dizemos: “tu és eu, eu sou tu”. Há uma total identificação com o outro (não confundir com a visão não-dualista resultante da investigação sobre o Eu, através do ensinamento de Vedānta).
Quando dizemos “tu pertences-me” é apego. Quando dizemos “a tua vida é a minha, a tua felicidade é a minha, se sofres eu sofro, se morreres eu morro” – isto é apego excessivo. Passamos a viver a vida da outra pessoa.
Kṛṣṇa sabe o quão difícil é nos desapegarmos das pessoas e coisas que nos são queridas. Assim, ele simplesmente nos alerta para não nos apegarmos excessivamente. Quando há que chorar com os outros, choramos, mas lembramos que a morte ou o sofrimento do outro não é a nossa morte ou o nosso sofrimento. Temos empatia pelas pessoas, podemos ficar tristes ou alegres com elas mas somos objetivos em relação aos factos da vida.
NITYAṀ SAMACITTATVAM IṢṬĀNIṢṬOPAPATTIṢU
Constante equanimidade diante do desejável e do indesejável
Samacittatvam significa equanimidade, um estado mental onde a mente está equilibrada, imperturbável, independentemente dos altos e baixos da vida. Esta mente equânime é um instrumento essencial para lidarmos com as situações do dia-a-dia de forma mais efectiva.
Não existe um método que possa acabar com as situações desagradáveis para que possamos ter, apenas, situações agradáveis. As escrituras tão-pouco nos garantem uma vida livre de situações desagradáveis. O que as escrituras nos dão é a capacidade para estarmos imunes, para sabermos como lidar com todas as situações.
A pergunta surge: como adquirir esta mente equânime? O Svāmi Paramārthānanda ensina-nos que, para uma mente equilibrada, é necessário cultivar quatro hábitos:
1) Aceitação
Ao longo da vida temos que realizar diversas acções, algumas fazemos com satisfação, outras com relutância. Da mesma forma, podemos receber os resultados das acções com alegria ou com raiva e tristeza. E assim surge a tendência para etiquetar certas acções e seus resultados de agradáveis ou desagradáveis.
Existem inúmeras coisas na vida que não conseguimos controlar, coisas sobre as quais não temos escolha. O corpo que temos envelhece a cada momento. O passado não pode ser mudado. Podemos escolher as nossas acções, mas não podemos escolher os seus resultados uma vez que estes dependem de um sem número de factores. Tudo isto são factos. E se são factos, a única atitude saudável a ter é aceitá-los. A nossa tendência natural é querer lutar e mudar quando não podemos e resignarmo-nos quando podíamos fazer qualquer coisa.
Devemos aprender a aceitar todas as situações pelas quais passamos na vida. Uma aceitação pacífica que nasce de uma compreensão: tudo aquilo que experienciamos é um presente do Todo e tudo o que nos acontece serve para o nosso crescimento espiritual.
2) Não comparação
A comparação com os demais ou até mesmo connosco mesmos, em relação a coisas que fizemos no passado, cria problemas. Muitas vezes comparamo-nos com os outros e sentimo-nos, de alguma forma, inferiores ou menos sortudos em relação a eles. Temos dificuldade em aceitar aquilo que temos porque achamos que os demais têm algo mais. E isto perturba a mente.
Nós até podemos aceitar aquilo que temos com agrado mas quando julgamos que o outro tem algo que nós não temos, ficamos chateados, com raiva e sofremos. Outras vezes, a comparação surge em relação a nós mesmos, quando nos damos conta que, hoje em dia, não conseguimos fazer ou ter coisas que no passado eram um dado adquirido.
Assim, é importante aprender a evitar a comparação, seja na hora de realizar uma acção, seja na hora de desfrutar do resultado.
3) Humildade
Se temos a capacidade para realizar certas acções e, especialmente, acções nobres, essa capacidade foi-nos dada. Aliás, devemos lembrar-nos que, todas as nossas capacidades, habilidades e talentos nos foram dados. A inteligência que temos, a capacidade para ter ideias e realizar acções foi-nos dada. E se desenvolvemos uma determinada capacidade graças ao nosso esforço e empenho, essa capacidade de aprender e de nos empenhar também nos foi dada.
Dada por quem? Pelo Todo, pelo Absoluto (Īśvara). Assim, sentirmo-nos orgulhos por termos determinada habilidade ou talento não passa de uma grande tolice, de falta de uma visão mais global. Humildade é então um hábito importante a ser cultivado.
4) Devoção
Devoção, dentro da Tradição do Yoga, é dedicar todas as nossas acções a Īśvara, como oferendas, e receber tudo aquilo que nos acontece na vida como um presente, como uma bênção de Īśvara. Qualquer que seja o resultado, qualquer que seja a situação, agradável ou desagradável, nós recebemos com agrado. Não criamos resistência, não julgamos, não criticamos.
Tudo aquilo que experienciamos na vida é um resultado das nossas acções passadas (positivas e negativas). Assim, não existe uma vida injusta, nem um Deus injusto.
Tudo aquilo que recebemos na vida (especialmente as situações difíceis) serve para crescermos espiritualmente, tornando-nos pessoas melhores.