Os valores da Bhagavad Gītā (1 ao 5)

Ganesha tribal - Yogamandir

AMĀNITVAM

Ausência de vaidade

A palavra mānitvam significa vaidade, orgulho, arrogância ou complexo de superioridade. Amānitvam significa o oposto: ausência de mānitvam, ausência de vaidade, de orgulho, etc. Numa palavra: humildade.

Quais são os sintomas da vaidade e do orgulho? Como se expressam? É importante sabermos isto para termos a certeza se somos pessoas com mānitvam ou não.

Sinais de mānitvam:

1º Mente fechada. Um māni (pessoa vaidosa ou orgulhosa) tem dificuldade em escutar as opiniões e sugestões de outras pessoas. Por exemplo, um chefe de família pode ter dificuldades em escutar a sua mulher e filhos. E assim torna-se num ditador, estabelecendo as regras que eles têm que cumprir. O orgulho e a arrogância são tão grandes que se esquece que são seres humanos como ele, e seres humanos que o amam. Uma pessoa com forte mānitvam não consegue dizer: “eu estou errado” ou “eu peço desculpa”.

2º Não aceitar as opiniões e sugestões dos demais. Eu posso até escutar as opiniões e as sugestões dos demais mas não as aceito. Por muito boas que sejam, não as aceito. O meu mānitvam não me permite aceitar. Porquê? Porque não são minhas!

3º Não reconhecer o crédito dos demais. Mesmo que eu escute e implemente as sugestões dos outros, não as elogio. Não dou crédito às pessoas, não admito nem reconheço que são boas ideias. Não consigo dizer-lhes o quão bom foi as suas sugestões.

4º Cobrar respeito. Uma pessoa vaidosa e orgulhosa é uma pessoa que exige respeito dos outros. Esta pessoa até pode ter algumas qualidades, mas espera sempre que os outros as reconheçam pois, no fundo, sente-se insegura e insuficiente, apesar das suas capacidades. Um māni duvida de si mesmo e das suas capacidades. Ter autoestima, autorrespeito, não é negativo. É até uma boa qualidade. O problema surge quando exigimos que os outros nos respeitem, nos aplaudam e nos elogiem. Isso é sinal de mānitvam.

 

A melhor forma de quebrar mānitvam é começar a escutar. Escutar a mulher (ou o marido), escutar os filhos, os empregados, os amigos, etc. Não partir do pressuposto que sabemos tudo ou que a nossa opinião é a única válida.

Uma pessoa humilde é aquela que deixa as suas capacidades falarem por si mesmas. Não necessita da aprovação dos demais para estar bem consigo mesma. Se a aprovação vier muito bem, se não vier muito bem na mesma. A pessoa humilde reconhece que as suas capacidades lhe foram proporcionadas pelo Todo, tal como as experiências favoráveis que tem na vida. Essa pessoa está bem consigo mesma, serena e consciente de que nunca poderá agradar a todos, pois sabe que cada pessoa tem os seus gostos e aversões pessoais.

A menos que larguemos mānitvam nunca poderemos ir ter com um professor que nos ensine VedāntaO mestre Ādi Śaṅkarācarya dizia que existem apenas duas doenças no ser humano: as doenças do corpo e mānitvam, vaidade. Mānitvam é um sério obstáculo para a busca da verdade sobre mim mesmo. A busca pelo autoconhecimento requer uma mente aberta e humilde.

 

ADAMBHITVAM

Ausência de pretensão

Dambhitvam significa pretensão, dissimulação, fingimento ou ostentação. Adambhitvam significa o contrário: ausência de pretensão e fingimento.

Dambhitvam resulta de um complexo de inferioridade. dambhī não se aceita como é e teme que os outros também não o aceitem. Assim, apresenta-se aos demais, diferente daquilo que realmente é (exemplo da pessoa com dívidas que se veste com roupas e ornamentos luxuosos). Este fingimento causa imensa tensão na mente do dambhī uma vez que, ao mentir para criar uma personagem que não é a real, tem que estar sempre alerta para não ser “descoberto”.

Adambhitvam é admitir as limitações do meu corpo-mente e não pretender ser algo que não sou. É ausência de falsidade, ser verdadeiro comigo mesmo e aceitar-me como sou. Desta forma, posso desfrutar de uma mente livre de conflitos causados por uma personalidade dividida que sabe uma coisa e representa outra. Isto é um passo fundamental no processo do autoconhecimento.

Outra expressão de dambhitvam é a ostentação. Neste caso, a pessoa pode ter algum dinheiro, algumas posses ou até alguma cultura. Mas exibe-se, mostrando a sua suposta superioridade através da aparência ou de palavras “caras”. É o chamado show off.Há a necessidade de se mostrar aos outros para se autoconvencer de que é realmente bom.

Ser modesto e viver simples, com o mínimo de necessidades na vida, são também sinónimos de adambhitvam.

 

AHIṀSĀ

Não-violência

Hiṁsā significa dano, violência. Ahiṁsā significa não-violência. Não-violência a três níveis: físico, verbal e mental. Não gostamos que os outros nos magoem, os outros também não gostam de ser magoados; este é um valor básico. Assim, temos um valor universal: ahiṁsā. Todos os demais valores como a aceitação, a rectidão, etc., centram-se neste único valor: ahiṁsā.

Ahiṁsā resulta da apreciação dos direitos e formas de estar dos demais seres, incluindo os animais e os vegetais.Este valor requer uma grande sensibilidade e atenção da nossa parte, em todos os momentos do dia, para não magoarmos nenhum ser, conscientemente.

A forma mais densa de hiṁsā é a violência física. Violência física não está confinada apenas a bater em pessoas, inclui também acções como atirar ou bater em coisas. Se sentimos que já estamos livres desta fraqueza, podemos concentrar-nos na violência verbal como gritar ou usar linguagem abusiva ou indecente.

Para podermos deixar a violência precisamos de saber a sua causa. Existem três razões para a violência acontecer:

IGNORÂNCIA

Sem nos darmos conta podemos magoar alguém, física ou verbalmente. Exemplo: Pisar uma pessoa sem nos apercebermos.

Por isso é tão importante estar constantemente alerta a fim de percebermos se estamos a magoar o outro ou não. Numa família, por exemplo, tem que haver comunicação, confiança e entendimento entre todos. Devemos saber dizer quando alguém nos magoa e sabermos também o que magoa os restantes membros da família.

Para evitar a ignorância acerca do que magoa os demais, devemos interagir com eles, percebendo se os magoamos. Se queremos colher os benefícios de uma vida familiar e social, devemos ter a flexibilidade para deixar aquelas acções e palavras que magoam os nossos familiares, amigos e restantes pessoas com quem convivemos.

INSENSIBILIDADE

Neste caso a ignorância não é a causa da violência. Nós sabemos que estamos a magoar. Sabemos porque não queremos que os demais nos façam o mesmo. Nós temos esta consciência. Mas, mesmo assim, magoamos.

Muitas pessoas gostam de ver os outros sofrer, sentem-se bem com isso. Desfrutam quando criticam alguém, especialmente quando conhecem o seu ponto fraco. A isto chama-se insensibilidade.

Uma pessoa com o valor de ahiṁsā bem estabelecido é uma pessoa com uma mente sensível. Uma mente sensível é aquela que tem empatia pelos outros. Ter empatia é saber colocar-se no lugar dos demais, conseguir sentir aquilo que o outro sente. Devo ser tão sensível que qualquer dor mínima no outro é sentida por mim.

Quanto mais sensível for a nossa mente, maior empatia se cria com o que está à nossa volta, compreendendo melhor os sentimentos e necessidades dos outros. E quando criamos esta empatia, dificilmente conseguimos magoar os demais.

Esta maior sensibilidade é bem-vinda, pois vai ajudar-nos a sermos pessoas gentis, com pensamentos, linguagem e acções gentis. Só assim poderemos desenvolver o importante valor da compaixão.

RAIVA

A raiva é uma emoção natural. Todos temos raiva, gostemos ou não, porque a raiva é um mecanismo de defesa. Mas neste caso estamos a discutir a raiva como a incapacidade da mente para enfrentar situações difíceis.

Esta incapacidade para enfrentar situações difíceis é uma fraqueza da mente. Infelizmente, muitas vezes justifico a minha raiva culpando os demais, partindo para a violência física e/ou verbal. Devo aprender a gerir a raiva para não castigar injustamente os outros.

Noutras ocasiões são os comportamentos das pessoas que desencadeiam a raiva dentro de mim. Eu espero que as pessoas se comportem de determinada forma. Mas na verdade, eu não tenho qualquer tipo de controlo sobre o comportamento das pessoas. Não posso escolher como a pessoa se deve comportar, mas posso escolher em qualquer situação, ser calmo, ser sempre calmo.

 

KṢĀNTIḤ

Aceitação

Uma vez que decidimos praticar ahiṁsā, não podemos esperar mudanças radicais no mundo e nas pessoas. As mudanças não vão ocorrer rapidamente mas sim gradualmente. Crescimento não é uma revolução, é uma evolução. Requer tempo. Se queremos mudar alguém na família (por exemplo os filhos) porque queremos que cresçam e amadureçam, uma vez que decidimos seguir o valor da não-violência, temos que saber dar tempo. E esse tempo de espera requer kṣāntiḥKṣāntiḥ significa aceitação, tolerância ou acomodação. Kṣāntiḥ é uma consequência natural da nossa decisão em praticar ahiṁsā, a não-violência.

Se não estamos felizes na vida, isto deve-se basicamente à nossa incapacidade em aceitar o mundo, em aceitar as situações e as pessoas tal como são. Como seres humanos todos partilhamos um problema fundamental: resistência mental em relação a situações difíceis na vida. Isto é um sério problema. Porquê? Porque todos os seres vivos têm que confrontar-se com situações difíceis. Isto é um facto. E perante tais situações nós desenvolvemos uma resistência mental: não queremos enfrentar situações difíceis, não as aceitamos.

Esta resistência mental é o maior inimigo que temos! Como resolvê-lo? Cultivando a aceitação, a acomodação de tais situações difíceis. Todos os problemas que temos resumem-se ao problema da não-aceitação:

Exemplo da raiva: eu não aceito tal comportamento de determinada pessoa e por isso fico com raiva.

Exemplo da inveja: eu não aceito que os meus amigos, familiares ou vizinhos tenham mais do que eu.

Exemplo do medo: eu não consigo aceitar certas situações que podem acontecer no futuro; eu não consigo lidar com a perda, com o fracasso, etc.

Kṣāntiḥ é então o antidoto para resolver a nossa resistência mental perante situações difíceis. Uma atitude de kṣāntiḥ significa sermos objectivos em relação à vida, em relação às situações e às pessoas. Ser objectivo é olhar para as coisas como são e perceber que existem muitas coisas sobre as quais não temos escolha, coisas que não podemos mudar. E sendo assim resta-nos aceitar.

Na vida, a maior parte das coisas não estão sob o nosso controlo. Existem muitas coisas que não podemos mudar. O passado não pode ser mudado porque já aconteceu. O presente não pode ser mudado porque o presente já chegou. E mesmo em relação ao futuro, muitas coisas não podemos controlar: as doenças que invariavelmente o nosso corpo vai sofrer, a velhice, a morte do corpo e um sem número de eventos que vão acontecer. Não podemos mudar a Natureza, o estado do tempo ou o comportamento das pessoas.

A atitude mais inteligente a cultivar na vida é a de aceitação. Da mesma forma que aceitamos que o fogo queime, que a chuva molhe ou que um mosquito pique porque essas são as suas naturezas e não podemos mudá-las, deveríamos cultivar a mesma atitude em relação às pessoas. Cada pessoa é como é e não podemos mudá-la, a menos que ela deseje essa mudança.

Se exigimos que os outros nos aceitem como somos, devemos também aprender a aceitá-los tal como são. Aceitar as suas opiniões, os seus gostos e os seus comportamentos. Podemos até não concordar com as suas palavras ou acções, mas devemos ter a capacidade para acomodar a pessoa dentro de nós. Acomodar pacificamente, sem mágoa, sem rancor.

Caso contrário, ao não aceitarmos as pessoas e as situações como são, guardaremos dentro de nós mágoa, rancor e outras emoções negativas. Ao longo da vida, vamos coleccionando estas emoções pesadas e o resultado será uma mente perturbada, agitada e infeliz. Com uma mente assim, o autoconhecimento torna-se numa tarefa impossível.

 

ĀRJAVAM

Rectidão

Ārjavam é um valor muito importante a ser cultivado. Significa rectidão, honestidade, alinhamento entre pensamento, palavra e acção.

Quando não há ārjavam, quando não há sintonia entre aquilo que eu penso, falo e faço, criam-se múltiplas personalidades dentro de mim, perturbando a minha mente com conflitos e divisões. Isto enfraquece a mente. Torno-me numa pessoa fraca e as minhas capacidades diminuem. Vivo na incerteza, na dúvida e com peso na consciência por não cumprir aquilo que penso ou falo. Deixo de ser uma pessoa inteira.

O primeiro passo para desenvolver e nutrir o valor de ārjavam é a pontualidade. A pontualidade é uma qualidade muito importante mas, infelizmente, negligenciada por muitas pessoas. Especialmente nos dias que correm, uma agenda tão preenchida e a existência dos telemóveis podem servir para desculpar a nossa falta de pontualidade.

Se me comprometo a chegar a uma determinada hora a um encontro mas, mentalmente, já sei que não vou conseguir, isto é falta de ārjavam. Se, decido acordar às sete da manhã para meditar, coloco o despertador para as sete, mas quando o despertador toca eu não lhe faço caso, isto é também falta de ārjavam.

Uma pessoa com o valor de ārjavam bem enraizado é uma pessoa que procura cumprir aquilo a que se propõe. É uma pessoa que não fala em vão e faz de tudo para cumprir as suas promessas. Sabe que os seus pensamentos, palavras e acções têm um peso. E sabe o quão importante é, para a sua integridade como pessoa, ter uma vida recta.

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