O Yoga

Hoje em dia o termo Yoga é facilmente associado a uma prática de exercícios físicos e relaxamento ou, quanto muito, de meditação, cujo resultado é um maior bem–estar, saúde e redução do stress. Mas a verdade é que o Yoga é muito mais do que uma simples prática feita em cima de um tapete antiderrapante e o seu resultado vai muito mais além do que meros benefícios físicos.

Para compreendermos o que é o Yoga temos que entender o seu contexto, saber qual a sua proposta original, para que serve, e depois estudá–lo e praticá–lo com um professor que conheça profundamente a sua tradição e seja um exemplo coerente daquilo que ensina.

Na antiga Índia, há pelo menos 7000 anos atrás, existiu uma sofisticada civilização no vale do rios Indu e Sarasvatī. A sua cultura era denominada védica, por ter como base os Vedas, os tratados de conhecimento mais antigos da humanidade. Essa cultura ou tradição védica é também conhecida como Sanātana Dharmadharma eterno.

Veda é um corpo de conhecimento que foi revelado aos antigos sábios que, por sua vez, o passaram à geração seguinte e assim sucessivamente, até aos dias de hoje. Esta tradição védica continua viva e intacta nos dias de hoje devido à validade e actualidade dos seus temas, e ao seu rigoroso método de ensino e aprendizagem.

Os Vedas dividem–se em duas grandes partes: karma kāṇḍa e jñāna kāṇḍa. O karma kāṇḍa é a secção que trata dos rituais e orações e fala sobre a acção adequada e a inadequada, enquanto o jñāna kāṇḍa trata do conhecimento, do autoconhecimento. Esta parte é também chamada de Upaniṣad ou Vedānta.

Vedānta é então o nome do meio de conhecimento que, através do uso adequado da palavra, revela a natureza do ser essencial que somos: plenitude. Vedānta ensina–nos que aquilo que todos buscamos na vida (felicidade, paz e segurança) é a nossa natureza real. Apenas não a reconhecemos devido à ignorância. Para que o ensinamento de Vedānta faça sentido e remova a ignorância que temos acerca de nós próprios é necessária a adequada preparação por parte do estudante e um estilo de vida condicente.

O Yoga é esse estilo de vida, que envolve um conjunto de valores, práticas físicas e mentais, dando ao yogin a maturidade emocional e intelectual necessária para o estudo de Vedānta. Yoga é um termo sânscrito, da raiz verbal “yuj”, que significa “união”. Mas o termo Yoga, de acordo com o contexto em que está inserido, também pode significar método, via ou aplicação. Neste sentido Yoga é aquilo que conecta o praticante ao seu objectivo. Tradicionalmente fala– se em quatro métodos de Yoga:

 

KARMA YOGA

Karma Yoga consiste em agir de forma apropriada e em ter a atitude apropriada em relação aos resultados das acções. Agir apropriadamente significa colocar as nossas acções ao serviço dos demais seres, reduzindo aquelas que fazemos apenas para benefício próprio. Desta forma, tornamo–nos menos consumidores e mais contribuidores neste mundo. A atitude apropriada em relação aos resultados das nossas acções é experienciar tudo, seja agradável ou desagradável, bom ou mau, prazeroso ou doloroso como Īśvara prasāda, uma oferenda do Todo. Uma vez que aceitamos todas as experiências como Īśvara prasāda, não reagimos a essas experiências, nomeadamente as desagradáveis. Sabemos aceitar tudo aquilo que nos acontece na vida e desenvolvemos uma capacidade para lidarmos com as vicissitudes do quotidiano. Assim, naturalmente, a mente estará mais calma, serena e equânime (samatvam), enquanto actuamos e recebemos o resultado das nossas acções.

 

UPĀSANA YOGA

Upāsana Yoga é uma disciplina para integrar a personalidade do ser humano. Integrar corpo, palavra, órgãos dos sentidos e a mente. Este tema é elaboradamente discutido no Aṣṭāṅga Yoga de Patañjali, nos conhecidos Yoga Sūtras. Para que corpo, palavra, sentidos e mente funcionem em conjunto e com um mesmo propósito é necessária uma certa disciplina. É aqui que entra, por exemplo, a prática da meditação. A meditação é um dos melhores métodos para disciplinar a mente e preparar o estudante para o ensinamento de Vedānta, conferindo– lhe uma mente relaxada, concentrada, com valores e com capacidade de expansão para se identificar com o Todo.

 

JÑĀNA YOGA

Jñāna Yoga é outro nome dado ao Vedānta. O Jñāna Yoga ou Vedānta funciona na forma tríplice de śravanam, escutar o ensinamento (de forma sistemática, por um longo período de tempo, sob a orientação de um professor competente); mananam, remover as dúvidas sobre aquilo que foi escutado; e nididhyāsanam, assimilação do ensinamento. Que ensinamento? O ensinamento sobre quem somos. O professor de Vedānta deve ser ao mesmo tempo um śrotriyam, versado no ensino das escrituras e do sampradāya (método de ensino) e um brahmaniṣṭham, aquele que está firme em Brahman (o Todo), que conhece a natureza de si mesmo, aquele que sabe de forma absoluta “Eu sou um ser completo”.

 

BHAKTI YOGA

Bhakti Yoga não é, na realidade, um quarto tipo de Yoga. Não é uma disciplina que se pratica separadamente. Bhakti é a relação que o indivíduo estabelece com o Todo, com a inteligência que permeia todo este universo. Bhakti é a atmosfera onde os outros três Yogas se praticam. KarmaUpāsana e Jñāna Yoga praticam–se imbuídos de bhakti. No Karma Yoga dedicamos todas as acções ao Todo (Īśvara) e aceitamos os resultados sem resistência, com agrado, como Īśvara prasāda. Um karma yogi tem que ter bhakti, sempre. No Upāsana Yoga meditamos sobre Īśvara para desenvolver disciplina mental e integração. E no Jñāna Yoga questionamos sobre a nossa verdadeira natureza e a natureza de Īśvara. A realização de si mesmo não é nada mais do que a realização do Todo.

Tradicionalmente, estes quatros métodos de Yoga não são praticados separadamente. Não se pode dizer que certa pessoa pratica Karma Yoga e outra Jñāna Yoga. Estes Yogas são complementares e todos os praticantes terão que passar por eles, com menor ou maior intensidade, em determinada altura da sua vida. Jñāna Yoga é o instrumento que nos dará o conhecimento sobre a nossa natureza real; Karma e Upāsana preparam–nos para escutar o ensinamento em Jñāna Yoga; e o Bhakti Yoga é a relação que estabelecemos com o Todo, do qual fazemos parte.

 

O HAHA YOGA

Hoje em dia a maior parte dos métodos de Yoga que se praticam em Portugal e no ocidente, em geral, são uma forma de Haṭha Yoga. Haṭha Yoga começou a ser bastante desenvolvido a partir do séc. IX, apesar das formas hoje conhecidas de Haṭha Yoga poderem ser muito diferentes das práticas de então.

Os haṭha yogis trabalham o seu corpo físico, a energia que anima esse corpo (prāṇa) e a mente, com o objectivo de os conhecer profundamente, purificá-los e alinhá-los. A prática e o estudo do Haṭha Yoga vão desde a ética e o cultivo de valores universais e fundamentais (como a não-violência, a verdade, a não-possessividade, aceitação, etc.) até às técnicas mais contemplativas de meditação.

Desenganem-se portanto, aqueles que pensam que Haṭha Yoga é apenas uma prática física. Aliás, os tratados mais conhecidos e antigos de Haṭha Yoga (Haṭha Yoga Pradīpikā, Gheraṇḍa Saṃhitā Śiva Saṃhitā) dão um foco muito maior às técnicas mais subtis do Yoga, como a meditação, e ao ensinamento, do que propriamente às posturas corporais. As posturas servem sobretudo como alicerce, conferindo ao praticante saúde e estabilidade corporal para as outras práticas.

É importante deixar bem claro que, segundo a tradição védica, o Haṭha Yoga não traz o conhecimento de ātmā (do Eu) e por extensão não traz a libertação (mokṣa). Esse é o papel de Vedānta ou Jñāna Yoga. Podemos sim, considerar o Haṭha Yoga como uma forma de Upāsana, no sentido em que nos ajuda a integrar e alinhar o corpo, respiração e mente, preparando-nos para o ensinamento.

A prática é assim uma oportunidade para estarmos connosco mesmos, observarmos como lidamos com o nosso corpo e mente, com suas sensações e pensamentos, com suas facilidades e dificuldades. E todo este processo de aprimoramento e refinamento acontece num pequeno espaço no chão da sala de prática: no nosso tapete de Yoga.

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