por Simão Monteiro
O caminho espiritual, ou seja, o caminho para o auto-conhecimento, começa com o Karma Yoga. Neste contexto a palavra karma significa acção apropriada e a palavra Yoga significa atitude apropriada.
Estas duas ideias são apresentadas na forma de quatro princípios, os quatro princípios do Karma Yoga:
- Reduzir as acções “adhārmikas”.
- Incrementar as acções “dhārmikas”.
- Dedicar todas as acções a Īśvara, o Absoluto.
- Experienciar tudo como Īśvara Prasāda, graça/bênção/oferenda do Absoluto.
1) Reduzir as acções “adhármikas”
Quais são as acções “adhārmikas”? São todas as acções contra o dharma, a ordem universal. São todas as acções que prejudicam os demais seres e as que nos prejudicam a nós próprios. Essas acções transformar-se-ão, a seu devido tempo, em resultados negativos, em obstáculos ao nosso crescimento espiritual (ver capítulo: A Lei do Karma).
Reduzir as acções “adhārmikas” significa reduzir gradualmente essas acções até ao mínimo ou zero, se possível. Primeiro devemos observar as nossas acções e reacções e identificar aquelas que consideramos serem inapropriadas. Identificadas as inapropriadas, encontraremos muitas que são evitáveis e começamos por reduzir essas acções evitáveis.
Com o tempo e com o crescimento espiritual, aquelas que hoje consideramos inevitáveis, converter-se-ão também em evitáveis e assim, mais cedo ou mais tarde, todos os comportamentos negativos acabarão por desaparecer. Devemos guiar as nossas acções pelo preceito do dharma: não fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem a nós!
2) Incrementar as acções “dhármikas”
As escrituras do Yoga enfatizam uma série de cinco disciplinas espirituais, chamadas de Pañcamahayajña, como forma de incrementar as acções “dhārmikas”, ou seja, acções que visam ajudar os demais seres.
Os Pañcamahayajña são:
Devayajña
Atitude reverencial e oferenda ao Todo, Īśvara. Isto é feito através de uma pūjā (ritual de oferenda física e/ou mental) e através da vocalização de mantras védicos, como o mangalam mantra, o mantra da felicidade. Tudo aquilo que oferecemos na pūjā é distribuído pelo mundo por Īśvara. Por sua vez, o mangalam mantra é feito com a intenção de ajudar não apenas a humanidade mas também todos os outros seres. É uma oração que chega a todo o universo manifestado.
Pitṛyajña
É tudo aquilo que fazemos para proteger a família, nomeadamente os nossos pais e avós, graças aos quais estamos aqui hoje e temos a vida que temos. Proteger, reverenciar e honrar os nossos antepassados e também as pessoas idosas de forma geral. Uma sociedade madura é uma sociedade que trata os anciãos de forma apropriada e com reverência.
Brahmayajña
Contribuição reverencial à preservação e propagação do estudo das escrituras védicas, apoiando ācāryas (professores) e/ou instituições que mantêm esta actividade. É a expressão de gratidão para com os śastras, ṛṣis e gurus (escrituras, sábios e mestres).
Como ajudar os ṛṣis se eles não precisam de nada? A melhor forma de mostrar a minha gratidão é manter viva a tradição de ensino, aprender, preservar e dar a conhecer aos outros, pois este conhecimento ajuda a humanidade.
Manuṣyayajña
Acontece sob a forma de todo o tipo de serviço social que fazemos através das instituições ou organizações existentes. Respeito pelos convidados ou visitas, especialmente as inesperadas, ofertando-lhes comida e encarando-os como o próprio Absoluto também se enquadra nesta categoria.
Bhūtayajña
Ajudar os seres vivos não humanos. É a atitude de reverência para com o reino vegetal (plantas e árvores), animais e o meu contributo para a protecção da Natureza, do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. Toda a natureza contribui para a minha existência e para o meu bem-estar e, sendo assim, é meu dever contribuir para a sua preservação.
Estes cinco karmas contribuem para o crescimento do ser humano. Em cada um dos cinco yajñas expresso a minha gratidão (gratidão + acção apropriada = yajña).
3) Dedicar todas as acções a Īśvara
O terceiro princípio é dedicar todas as acções ao Absoluto. A isto chama-se Īśvarārpanabuddhi, realizar todas as acções com o intuito de crescer espiritualmente, lembrando-me do Absoluto em todos os momentos. Se tudo aquilo que tenho é devido a este Universo, a esta Ordem Universal, então eu entrego as minhas acções a essa Ordem Universal, pois será ela que processará o meu karma e me devolverá o resultado adequado.
Nada é meu! Tudo me é dado! Namaḥ. Isto é o início de bhakti, a relação com o Absoluto. Eu coloco o crescimento espiritual como a minha prioridade e o meu principal objectivo.
4) Experienciar tudo como um presente de Īśvara
Este é o princípio mais importante: experienciar tudo, seja agradável ou desagradável, bom ou mau, prazeroso ou doloroso como Īśvaraprasāda, graça/bênção/oferenda do Absoluto. Nós temos escolha em relação à acção mas não em relação ao seu resultado. O resultado ou fruto da acção depende de inumeráveis factores e é determinado por Īśvara, a fim de manter a ordem e harmonia no universo. Sendo assim, tudo aquilo que recebemos na vida é, em realidade, um presente do Todo, uma oportunidade para crescermos espiritualmente, especialmente quando nos confrontamos com experiências difíceis e dolorosas.
OS BENEFÍCIOS DO KARMA YOGA:
1) Auto-estima
Quando nos dedicamos a uma vida de Karma Yoga tornamo-nos mais contribuidores do que consumidores. E quando nos tornamos mais contribuidores na sociedade, mais facilmente encontramos um sentido para a nossa vida. Isso removerá a nossa baixa auto-estima e o complexo de inferioridade e assim desenvolveremos mais respeito por nós próprios e uma elevada auto-estima. Auto-estima não significa arrogância ou complexo de superioridade mas sim liberdade do complexo de inferioridade, que é um grande obstáculo ao conhecimento de nós mesmos.
2) Serenidade
Uma vez que aceitamos todas as experiências como Īśvara Prasāda, não reagimos a essas experiências, nomeadamente as desagradáveis. Sabemos aceitar tudo aquilo que nos acontece na vida e desenvolvemos uma capacidade para lidar com as vicissitudes do quotidiano. Todas as situações são recebidas com agrado, com agradecimento, sem rejeitar, sem criticar ou julgar. Assim, naturalmente, a mente estará mais calma, serena e equânime, samatvam, enquanto actuamos e recebemos o resultado das nossas acções. A mente de um karma yogi é serena, sem stress.
3) Ordem social
Ao incrementarmos as acções “dhārmikas” contribuímos para manter em harmonia a infra-estrutura familiar, social e ambiental.
4) Crescimento espiritual
Crescimento espiritual significa ter uma mente madura e preparada para o Jñāna Yoga. Ao praticarmos Karma Yogacomeçamos a interessar-nos cada vez mais pelo Jñāna Yoga, pelo conhecimento da nossa natureza real e menos por interesses materialistas e superficiais.
A FUNÇÃO DO KARMA YOGA
O karma yogi tem um entendimento claro em relação ao caminho e objectivo a alcançar: mokṣa, a liberdade. Liberdade da dependência psicológica e consequentes expectativas.
O Karma Yoga não dá mokṣa. Karma Yoga purifica a mente. Com uma mente purificada estamos prontos para o Jñāna Yoga. O Jñāna Yoga levar-nos-á mokṣa. Mokṣa torna-nos num jīvanmukta, um liberto em vida.
O Karma Yoga dá-nos a oportunidade para olharmos para a nossa vida e discernirmos qual é o nosso problema fundamental, diagnosticarmos o problema. Os problemas que temos na vida não são causados pelo mundo mas sim pela forma equivocada como lidamos com esse mundo. Essa forma equivocada de lidar com o mundo deve-se à ignorância que temos acerca de quem somos essencialmente e isso conduz ao sofrimento. Para tratarmos o problema, diagnosticado pelo Karma Yoga, precisamos do Jñāna Yoga.
Todos temos gostos e aversões, rāgadveṣa. Rāga causa sofrimento pela partida do objecto de apego, desejado. Dveṣa traz sofrimento pela chegada do objecto de aversão, indesejado. E principalmente nos dias que correm, com tanta oferta, a lista de rāgadveṣa é interminável. Assim, como temos que exercer a toda a hora o nosso poder de escolha, vamos tornando-nos mais exigentes a nível de gostos. E aí, a probabilidade de ficarmos insatisfeitos é maior, pois somos pessoas muito exigentes. Karma Yoga é renunciar aos nossos rāgadveṣas ou torná-los em preferências. Ter uma mente que não é escrava dos rāgadveṣas, mas uma mente que tem um controlo sobre eles.
O “SEGREDO” DO KARMA YOGA
Todos temos liberdade em relação ao karma, à acção, mas não em relação ao phālam, o fruto da acção. Se a nossa felicidade depender do phālam é uma felicidade flutuante, sujeita ao phālam flutuante, uma vez que não a controlamos.
Se pelo contrário, estamos felizes realizando uma acção, karma, aí a felicidade não depende do fruto. Já estamos felizes realizando a acção. Assim, devemos aprender a apreciar cada momento da nossa jornada. Desfrutar da acção, não depender do seu resultado para estar bem. Karma Yoga é viver de forma inteligente, ou seja, não depender de factores variáveis, imprevisíveis e flutuantes.
O “segredo” do Karma Yoga é: ser feliz enquanto kartā, enquanto agimos.