UM UNIVERSO INTELIGENTE
Ao observarmos este vasto universo reconhecemos nele a existência de uma inteligência, de uma harmonia e de um propósito. Tudo no universo obedece a uma ordem inteligente. O sol brilha, os planetas mantêm uma determinada órbita à volta do sol, existe uma lei da gravidade, a água passa ao estado gasoso quando atinge a temperatura de 100 °C e ao estado sólido aos 0 °C, etc.
Também no nosso corpo existe uma inteligência e uma ordem. Cada célula do nosso corpo tem uma função a desempenhar, cada órgão é importante. E é precisamente graças à existência de uma ordem no universo e no nosso próprio corpo que a ciência os pode estudar.
Nada é redundante neste universo. Tudo tem um propósito. Inclusive as coisas que apelidamos de inúteis, que aparentemente não servem para nada, têm a sua utilidade. Apenas não descobrimos, ainda, qual!
Esta inteligência, ordem e harmonia presente em todo o universo implica a presença de uma causa inteligente. Se existe uma ordem e inteligência neste universo, tem que haver um criador inteligente por detrás. Eu não criei nada disto! Nem mesmo este corpo que uso! Nem eu nem nenhum outro ser.
Devemos saber que qualquer objeto criado requer duas causas:
- O criador, a causa inteligente (nimitta kāraṇa), que tem o conhecimento e a habilidade para criar o objeto e sabe qual o seu propósito, a sua utilidade;
- O material de que é feito o objeto, a causa material (upadāna kāraṇa).
Exemplo de um pote de argila: o criador é o oleiro e o material é a argila.
Aquele que fez o pote, o oleiro, tem que cumprir certos requisitos. Ele tem que ser um ser consciente (cetana), não pode ser inconsciente. Mas nem todos os seres conscientes podem criar um pote. É necessário o conhecimento para criar o pote e a habilidade para o criar. Não chega ter a teoria. Tem que ter o conhecimento e a habilidade. E por último, tem que haver o desejo para criar o pote. Assim, o oleiro tem que ter o conhecimento para fazer o pote, a habilidade e o desejo para o fazer. Nimitta kāraṇa tem que ser consciente, ter o conhecimento, poder e desejo.
Apesar de todos estes requisitos, o oleiro não poderá fazer um pote sozinho. Ele precisa da matéria-prima, da causa material: a argila. A causa material é a causa para a criação, manutenção e destruição; e empresta existência ao efeito. A causa material é aquela da qual o efeito, o pote, nasce. É aquela por causa da qual o pote existe. E é aquela para onde o efeito irá quando for destruído. O pote nasce da argila, existe devido à argila e ao destruir-se continua a ser argila. A própria existência do pote é emprestada da argila. Qualquer efeito existe com a existência emprestada da causa.
Assim, para qualquer coisa no mundo são necessárias duas coisas: a causa inteligente, consciente, (nimitta karaṇa) e a causa material (upadāna karaṇa).
QUEM É ĪŚVARA, DEUS?
Se um simples pote requer um ser consciente e inteligente para o criar, o que dizer deste universo? Uma vez que existe inteligência e ordem neste vasto universo tem que haver uma causa inteligente. E tal como o criador de um pote tem o conhecimento da sua criação, também a causa inteligente deste universo terá que ter o conhecimento de toda a sua criação.
Para além da causa inteligente da criação (este universo) é necessária também a causa material, da qual veio todo o material existente na criação. No exemplo do pote de argila, o material (a argila) existe separado do criador (o oleiro). E no caso deste universo? A causa inteligente é separada da causa material?
Se a causa inteligente for separada da causa material, terá que existir fora da criação. Ora, fora ou dentro são conceitos espaciais e o espaço é parte da criação. Nada pode existir separado da criação. Assim, a causa inteligente não pode ser separada da causa material.
Se a causa inteligente for separada da causa material outra questão se levanta: de onde veio o material de que é feito esta criação? Se presumirmos que existe uma outra fonte isso levar-nos-ia a uma infinita regressão, porque a fonte da causa material seria uma outra causa material e por aí adiante.
As escrituras védicas dão dois exemplos para mostrar-nos a possibilidade da existência de uma única entidade como sendo, ao mesmo tempo, a causa inteligente e a causa material:
Exemplo da aranha: a aranha é a causa inteligente e a causa material da teia. Ela tem o conhecimento para criar uma teia e encontra o material para tecer essa teia em si mesma.
Exemplo do sonho: o sonho é uma criação daquele que sonha, o sonhador. O sonhador é a causa inteligente do sonho. E de onde vêm os vários objetos, pessoas e experiências presentes no sonho? Qual é a causa material? A mente do sonhador.
Aquele que é, ao mesmo tempo, a causa inteligente e material de todo este universo é chamado de Īśvara, Deus. Deus criou todo este universo e foi buscar o material a ele mesmo. Deus é todo este universo. Qualquer objeto neste universo é Deus. Nada existe separado dele. Não se trata de acreditar na existência de Deus. A minha existência e a existência deste universo inteligente, por si só, comprovam a existência de Deus.
ONDE ESTÁ DEUS?
Se Deus é todo este universo não o podemos localizar num determinado ponto. Se ele estiver localizado num sítio particular uma questão surge: onde estava ele antes da criação? Noutro local? E antes de estar nesse local? Novamente seríamos confrontados com o problema da infinita regressão. Situar Deus num determinado local é limitá-lo.
Pegando no exemplo do sonho, se perguntarmos onde está localizado o sonhador qual seria a resposta? Com respeito ao sonho, o sonhador está em todo o lado. Os objetos são o sonhador, os locais são o sonhador, as pessoas do sonho também, as experiências, as emoções vividas, etc., tudo é o sonhador. O sonhador permeia o sonho, ele é imanente no sonho.
Da mesma forma, Deus é imanente em toda a criação, uma vez que ele é a causa inteligente e material. Nada existe separado dele. Ele permeia tudo. Ao permear tudo, não pode ter uma forma, um corpo limitado. Não precisamos de procurar por Deus num determinado local ou numa determinada forma, porque tudo o que existe é Deus. Toda esta criação é Deus.
A RELAÇÃO INDIVÍDUO-TODO
As escrituras definem Deus, ou Īśvara, como um princípio inteligente, consciente, sem forma, que permeia todo o universo e o sustenta e mantém em perfeita harmonia, através de uma rede de leis universais. Desta forma:
- Tudo o que existe é Deus. Assim, só existe um Deus.
- Deus é sem forma, sem limites.
- Deus, na sua natureza original (infinito, sem forma), não pode ser visualizado ou adorado.
- Se Deus, na sua natureza original, não pode ser visualizado ou adorado, para meditarmos nele necessitamos de um símbolo, de uma forma que o represente.
- Apesar de Deus ser apenas um, podemos ter vários símbolos que o representem. Pluralidade de símbolos não significa pluralidade de deuses.
Assim, a tradição védica utiliza várias formas que simbolizem, que representem Deus (que é sem forma), com o fim de nos podermos relacionar com ele, nomeadamente na meditação. Havendo uma tamanha diversidade de gostos no ser humano, a tradição criou inúmeras formas para poder agradar a todos. Usamos as formas Śiva, Gaṇeśa, Parvatī, etc., para nos relacionarmos com Deus, mas sabemos que Deus não é nenhuma dessas formas. Numa segunda fase, passamos a ver Deus como todo o Universo (viśvarūpa darśana).
Tudo isto é importante para estabelecermos uma relação com o Todo. A relação que estabelecemos com Deus é a relação mais importante na nossa vida por ser uma relação permanente. Todas as outras relações são temporárias, têm um início e um fim. Se as relações mundanas são temporárias, impermanentes, então não nos podem garantir nada em absoluto, definitivo. Não podemos esperar dessas relações segurança, felicidade e paz definitivas.
A melhor forma de encontrar a força para resolver os problemas do dia-a-dia é na nossa relação com Deus, porque ele é sinónimo de paz, segurança e felicidade permanente. Por essa razão a relação indivíduo-Todo é a relação mais importante.